Nobody said it was easy

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013


“Sempre que você está nervosa começa a arrumar o armário”. Que mentira, ele, obviamente, não sabia de nada. Eu arrumo porque gosto, na verdade, porque odeio bagunça. Depois de todas as roupas jogadas no chão, emboladas, meio dobradas e algumas manchadas, eu olhei pro fundo da última gaveta. Lá estava o seu casaco desbotado, a primeira coisa que nós dividimos, e mais uma das muitas coisas que você esqueceu, misturando gavetas do armário, do banheiro, da cozinha, e a minha gaveta mais temida, a do coração. Certa vez você me disse que nós éramos amor, pra sempre amor, amor. Palavra estranha né? Você me disse isso no dia 27 de julho, sempre lembrei de tudo que deveria esquecer e esqueci tudo que deveria lembrar, inacreditável. Acho que deveria haver uma área na medicina que abrigassem um bom desilucionista, para que talvez ele acabasse com toda essa minha esperança boba de te ter em meus braços de novo, nem que fosse só mais uma vez. Andando entre todas essas entrelinhas eu me deparei com uma pequena lispector, e ela me disse algo como: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.” E então eu pensei que o meu defeito deve ser você, egoísta, destrói minhas estruturas e depois me deixa vulnerável, como quem não pode sair do lugar. Logo eu que sempre fui fogo na chuva, estabilidade num furação, aquela que conseguia viver sem um coração. Logo eu que era tão boa sozinha acabei por depender de você. Peguei aquele celular enfeitado que você coloriu, digitei seu número barato que tinha o mesmo início do meu e sem pestanejar confirmei a ligação, se não saísse agora não sairia nunca mais. Em meio a tantos bipes eu me perguntei o que deveria dizer, e em quais momentos deveria calar. Será que eu deveria contar que fiquei triste todos os dias nos quais não nos falamos? Ou será que eu deveria cancelar a ligação e mandar a nossa música gravada num CD qualquer e apenas dizer “sinta a nostalgia, pois, além de saudade, foi tudo aquilo que eu senti”? Eu queria que, de fato, fosse só essa maldita distância urbana que se depusesse a nos atrapalhar, mas, era pior, ambos conseguimos criar um abismo de decepções entre nós, um abismo tamanho que pernas não seriam capazes de atravessar, ou tampouco driblar, ficávamos de lados opostos observando os olhares tristonhos e receosos que teimavam em encarar a situação sem nada fazer, sem nem ao menos tentar. Isso talvez me incomodou…
- Alô?
- Filho da mãe!
Como eu sou indiscreta, parabéns, eu podia dizer oi, mas, quem não adora começar uma conversa com “filho da mãe”? Merda. Palavrões chegaram até mim como uma epidemia, ótimo, ligo pra alguém que eu não falo a bastante tempo e começo a xingá-lo, que ideia genial eu fui capaz de ter. 
- Oi?
- Oi, desculpa o modo com que me referi, é que eu não me preparei pra falar com você, sua caixa de mensagens sempre foi tão receptiva. Ok, você não quer saber, eu já posso até imaginar a sua cara porque eu provavelmente te acordei ou te fiz pausar o videogame, mas, olha, é que eu estava ouvindo aquela música, lembra? Firt time? E, depois de tanto te dizer que não leria, me peguei escrevendo a tradução. “O meu lugar é junto de você esta noite”  parece que a única coisa que sobrou foi a noite, já que o seu lugar não é mais comigo. Eu estava molhando aquelas rosas na janela que você, mesmo sabendo o meu desgosto por rosas, insistiu em deixar lá e dizer que nós duraríamos o mesmo tempo que elas, engraçado isso, porque apesar de você falar que, só agora que noite que uma delas é de plástico, então, achei que ele levasse uns cem anos pra se decompor, engraçado esse nosso amor né? Bem de plástico mesmo, daqueles de 1,99 que você guarda até o dia em que ele quebra e você substitui por outro.
Silêncio. Silêncio e silêncio. Acho que nunca ouvi nada tão barulhento. Depois de um certo tempo ela ouvia a voz dele:
- Joga as rosas fora, é uma tática perfeita e simples.
- Não sou como você que joga as coisas foras apenas pelo fato de ser mais fácil assim.
Mais um longo tempo de silencio, quando após uns dez minutos eu o escuto cantarolar “take me away” e logo me vem uma vontade de chorar, mas eu me seguro. Lembrei-me da primeira vez que escutamos essa música juntos e eu havia falado a ele que era a música que melhor nos descrevia. Então resolvi falar
- Para de cantar isso, para, porque me parece algo que eu diretamente escrevi pra você. 
- Eu não tenho culpa da sua participação no clube das otárias, afinal de contas, a única parte que você lembrou da música foi a parte do “embora” porque foi isso que você fez, apenas foi. Me deixando sozinho sem nem sequer me deixar ir atrás. 
Numa fração de segundos um filme se passou na minha cabeça, e lembrei que talvez eu fosse mesmo a culpada por tudo isso, mas orgulhosa como toda leonina, não dei o braço a torcer.
- Ir embora? Tem uma certa diferença entre ir embora e seguir em frente, pena que talvez você não saiba disso. So sorry.
- Ta falando inglês? Amor. 
- Não me chama assim, seu, seu, seu..
- Seu, meu anjo, todo seu. 
- Eu não sei lidar com você, brincando com coisa séria, tão você, que costumava a ser tão meu, antes de ser dessa outra aí.
Começou a tocar “the reason” no rádio de velho que ele me deu, mas, eu o amava. O rádio, claro. Era de uma banda qualquer da qual só conhecia essa música, em uma hora qualquer, e essa droga qualquer me fez chorar.
- Você ta chorando?
- Não, to rindo, é que está tudo tão engraçado que me da vontade de rir. Idiota.
- TPM?
- Na verdade, não. É que meus sentimentos que costumavam ser descartáveis começaram a ter valor, mas, você não parou de descartá-los, o que é uma pena. Você era um deles, mas, já não é mais, não somos. Eu gostava de você, sabe? E agora? Eu nem sei o que sentir e tampouco o que dizer. Confusa, não de nascença, mas, de tantas mudanças feitas por você. 
- Você me julga com uma falta de sensibilidade que me deixa muito nervoso!
- Te deixa nervoso? Você já deve ter nascido xingando o médico. Mas já que está nervoso liga pra ela, querido, talvez ela te acalme.
Eu solucei, droga, bebi um copo d’água que me fazia companhia naquele quarto escuro. 
- “Um amor para recordar” - Ele leu.
- Fecha esse livro agora, você pode vir aqui me devolver, isso nunca deveria ter sido seu. 
- Você me deu por livre e espontânea vontade, e olha, você sabe, nem gosto de ler.
- E você deveria ter o deixado aqui, aliás, assim como você fez com essa droga de casaco. 
- Te incomoda por que tem meu cheiro?
- Não, me incomoda porque deve ter um igualzinho na casa dela.
- Um customizado sabe? Com uma mancha bem na manga. Ela, na verdade, não costuma queimar minhas roupas.
- Foi sem querer, eu já disse, o ferro de passar não se dá bem comigo. 
Ele riu, a minha risada, injusto. 
- Desce mais uma.
- Uma o que?
- Uma dose barata de você.
- Olha, eu vou desligar.
- Ta.
- Deixa de ser insensível, garoto. Te digo que vou desligar e você me diz “tá”. Posso ver como se importa comigo.
- Você desliga se quiser, eu não te pedi pra ligar, mas olha eu ainda quero uma dose de você.
Silêncio. Silêncio.
- Pode pegar, tem três doses minhas na janela. Um cd, um rádio e as suas flores. 
- Vou pegar, espere.
- Eu estou predestinada a sentir sua falta.
- E eu estou predestinado a amar você.
- Você não me ama.
- Diz isso pro garoto que está parado agora na sua janela.

Então ela vai até a janela, faz sinal para ele esperar e corre para abrir a porta. Enxuga as lágrimas e abre a porta.
- Ta fazendo o que aqui, ninguém pediu sua presença.
- Na verdade só estava passando, estou indo á uma festa, vou até a casa de uma amigo que mora na próxima rua, pegar uma carona.
- Veio aqui pra me dizer isso? Ou espera, pra dizer que está traindo sua namorada?
- Não…
- Por que então?
- Pra te dizer que não estou namorando ninguém, que inventei uma namorada para lhe fazer ciúmes. Dizer que ainda gosto de você e que não queria que tudo estivesse do jeito que está, não suporto mais acordar sem o seu bom dia, e também odeio passar todos os dias aqui na frente sem poder gritar pelo seu nome esperando que você venha correndo pra me dar um abraço e escutar o quão rápido bate meu coração quando você está perto. Eu sei que também errei, sei que a culpa não foi só sua, mas estou aqui pedindo desculpas, e quero te dizer que tenho chorado muito, e me acho estranho demais por isso, logo eu, que quase nunca choro. Mas é que eu sinto tanta a sua falta, do seus beijos, abraços, seu cheiro. Quero você de volta, quero poder te fazer sorrir..
Tento enxugar minhas lágrimas mas elas são muitas, então logo ele vem com o seu jeito cuidadoso enxuga-las pra mim. Depois disso, me beija. E é aí que sinto que tudo o que ele disse era verdade e que eu também sentia o mesmo, quem sabe até mais.
- Eu gosto de você. – foi tudo o que consegui dizer
- Eu também, mas agora tenho que ir, se não irei me atrasar. A menos que você queira que eu fique.

- Não, pode ir, tudo bem. Depois de tudo o que ouvi só tenho a agradecer por sentir o mesmo que eu, e nada mais justo que você se divertir hoje. Não vá tão tarde pra casa, ouviu?

- Ta bom, mãe. 

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